BREVE COMENTÁRIO SOBRE A HISTÓRIA DO CANTO GREGORIANO
Foram quatro os períodos principais:
1.– Período de formação: do começo da Igreja – sensìvelmente, desde o fim das perseguições (313) até S. Gregório Magno (590);
2.– Período de apogeu e de difusão: desde S. Gregório Magno (590-604) até ao século XIII – Notação da melodia e do ritmo;
3.– Período de decadência: do século XIII à primeira metade do século XIX;
4.– Período de restauro: da segunda metade do século XIX, até aos nossos dias (Chanoîne Coudray).
PRIMEIRO PERÍODO
O canto Litúrgico da Igreja Católica foi constituído, no seu início, por elementos provenientes de origens diversas, das quais é difícil precisar a contribuição de cada uma delas. Porém, o que se pode notar é que as provenientes da sinagoga foram, evidentemente, bastante importantes e, que os primeiros cristãos utilizaram, certamente, nas suas assembléias, os Salmos e os Cânticos Judaicos. Depois, à medida que as comunidades cristãs se multiplicaram – na Grécia e entre os Latinos, na Ásia Menor e África – novos elementos se juntaram às melodias primitivas, que assim se enriqueceram com a contribuição que lhes trouxe a diversidade cultural dessas civilizações.
À medida que o canto se aperfeiçoava, organizavam-se, pouco a pouco, as formas do Culto – a Liturgia – sob o impulso dos Bispos: no séc. IV estavam constituídas, em volta dos grandes centros de difusão, tais como Milão, Constantinopla e Roma. Mas chegou o momento em que a preocupação de unificar o canto obrigou os Pontífices Romanos (S. Dâmaso, séc. IV), a orientar as suas tendências e, assim, de etapa em etapa, se chegou a S. Gregório Magno.
SEGUNDO PERÍODO
S. Gregório I – que a História cognominou de «S. Gregório Magno» – nasceu em Roma em 542, tendo ocupado a Cátedra de S. Pedro entre 591 e 604.
“S. Gregório foi admiràvelmente preparado para a sua obra musical, pela sua educação de nobre Romano, pela sua vocação Monástica, em que um dos principais serviços foi, precisamente, a organização da Liturgia, enfim, pelo seu gênio musical. Segundo consta, S. Gregório teria composto, ele próprio (ou mandado compor) um certo número de peças, mas a sua principal ação foi, sobretudo:
– colher, selecionar, ordenar as peças e dar a cada uma o seu lugar no ciclo Litúrgico, para formar o repertório que constituiu o «Antifonário»; Antiphonalae.
– reformar e levar à perfeição os cantos que se encontravam em uso;
– fundar a «Schola Cantorum», escola superior de Música Sacra” (Chanoîne Coudray).
Foi desta fundação que nasceu a chamada Escola Romana, e foi devido à importância da obra realizada por S. Gregório Magno que o canto Litúrgico da Cristandade Latina se chamou «Canto Gregoriano».
Este canto espalhou-se por toda a Inglaterra e, especialmente, na França (Escola Galicana), com Pepino o Breve e Carlos Magno: no reinado deste último, os diáconos Petrus e Romanus, enviados pelo Papa Adriano, fundaram as duas célebres Escolas: Metz e St. Gall. Havia também a Escola Ambrosiana (que já existia antes de S. Gregório Magno) e a Escola Mozárabe (sobre esta parte da História – respeitante à obra de S. Gregório Magno – têm interesse os artigos do Rev. P. Froger, O.S.B., in: «Musique et Liturgie», N.ºs 15, 18 ss, 1950).
NOTAÇÃO DA MELODIA E DO RITMO
Os sons musicais exprimem-se por meio de sinais que se chamam notas: DO [UT] – RE – MI – FA – SOL – LA – SI, e que se repetem, sucessivamente, pela mesma ordem. Estes nomes, usados por Guido d'Arezzo (monge beneditino da Idade Média), correspondem às primeiras sílabas da 1.ª estrofe do Hino do Ofício de S. João Baptista:
«(Ut) queant laxis
(Re)sonare fibris
(Mi)ra gestorum
(Fa)muli tuorum
(Sol)ve polluti
(La)bii reatum
(Sancte I)oannes».
No ano 1673, Bononcini mudou o nome de «UT» para «DO».
Os manuscritos mais antigos que se conhecem não vão além do séc. IX e contêm diversos tipos de notação:
1.– Notação neumática, ou de neumas-acentos (notação «quironômica»), proveniente, principalmente, dos sinais tirados da Gramática Latina – acento agudo [´] e acento grave [`] – combinados de diferentes modos e colocados por cima do texto literário: uma notação melódica muito imperfeita, notação «in campo aperto», porque a falta de pauta não permitia precisar os intervalos das notas, mas rica em indicações sobre a interpretação expressiva das peças.
Notação alfabética, (de origem Grega, muito anterior a Guido de Arezzo), na qual as notas: LA – SI – DO – RE – MI – FA – SOL eram designadas, respectivamente, pelas letras A – B – C – D – E – F – G: era uma notação mais precisa, quanto aos intervalos, mas má, quanto à unidade dos neumas;
3.– Notação bilingue, ou dupla: neumática e alfabética;
4.– Notação diastemática, indicando os intervalos, utilizando as linhas levadas, progressivamente, ao número de quatro, que constituem, ainda hoje, o tetragrama Gregoriano: os neumas são empregados sobre o tetragrama, perdem em perfeição gráfica, até atingirem a forma geométrica e rígida da tipografia moderna. Os acentos primitivos transformaram-se em «pontos», colocados com precisão (neumas-pontos).
“Com a notação diastemática foi assegurada a precisão dos intervalos, mas este aperfeiçoamento foi, de certo modo, um empobrecimento: os detalhes rítmicos desapareceram e, essa deformação alterava o Canto Gregoriano, atingindo a própria origem da vida que o anima.
Em princípio, a tradição rítmica foi, na verdade, oral, tal como a tradição melódica. Desde que os artistas notaram a melodia «in campo aperto», juntaram-lhe as indicações rítmicas. Para alcançar esse objectivo, fundaram-se escolas regionais, cuja projeção foi extraordinária. Estas escolas conseguiram determinar o prolongamento (ou não prolongamento) e o carácter expressivo de certos grupos neumáticos e/ou de certas notas. Os estudos comparativos, feitos sobre os manuscritos, provam que, com meios por vezes diferentes, mas idênticos, em todo o caso, para a mesma escola, os mestres da ciência Gregoriana conseguiram estabilizar a interpretação rítmica tradicional” (Le Guennant).
São esses detalhes rítmicos – desaparecidos – que a Escola de Solesmes restituiu, com os seus sinais rítmicos.
TERCEIRO PERÍODO
– CAUSA DA DECADÊNCIA:
· 1.– Abandono progressivo das tradições rítmicas;
· 2.– Influência, cada vez maior, da polifonia nascente;
· 3.– Atribuição arbitrária de duração desigual às diversas formas de notas, em consequência da ignorância das origens da notação Gregoriana;
· 4.– Mutilação (e arrastamento) das melodias, na sua execução;
· 5.– O Renascimento, com o seu total desprezo por tudo quanto era Medieval;
· 6.– O desconhecimento completo das qualidades do acento tônico Latino na época Eclesiástica, no fim do séc. IV d.C. (cf. Chanoîne Coudray).
De tudo isto, resultou, em 1614, a chamada «Edição Mediciana», por ter sido impressa na tipografia dos Médicis, em Roma, edição que foi o ponto de partida de inumeráveis edições abreviadas, em que o Canto Gregoriano se tornou irreconhecível.
QUARTO PERÍODO
– A RESTAURAÇÃO:
O restauro do Canto Gregoriano – que deve o seu ponto de partida ao restabelecimento da Liturgia Romana na França, em consequência dos trabalhos de Dom Prosper Guéranger (Abade de Solesmes) – caracteriza-se pelo regresso às fontes, aos manuscritos, e foi, principalmente, levada a cabo pelos monges Beneditinos de Solesmes. Esta restauração tem três aspectos diferentes: primeiro, melódica, segundo; rítmica e depois, modal.
RESTAURAÇÃO MELÓDICA
Em 1847, foi descoberto o manuscrito bilingue de Montpellier, por Danjou, organista em Paris.
Em 1848, o P. Lambillotte reconstitui um precioso manuscrito de St. Gall, atribuído ao diácono Romanus.
Em 1850, publicação da Edição «Rémo-Cambranense» (ou «Cambraiana»), tentativa de restauração julgada insuficiente pelo P. Lambillotte, que se recusou a fazer parte da comissão encarregada de a preparar.
Em 1856, Dom Jausions – por ordem de D. Guéranger (Abade de Solesmes) – começou a examinar os manuscritos de França.
Em 1880, D. J. Pothier publicou a sua célebre obra «Les mélodies Grégoriennes», segundo a tradição.
Em 1883, é publicado o «Liber Gradualis», para as Missas.
Em 1891, é publicado o «Liber Antiphonarius», para o Ofício Divino.
Em 1889, Dom Mocquereau – discípulo de D. Pothier – lança a famosa publicação Solesmiana a «Paleografia Musical», na qual defende a obra de restauro de D. Pothier, reproduzindo, pela fotografia, os manuscritos, para permitir ao mundo conhecedor seguir os trabalhos de restauração e, consegue destruir – no plano científico e artístico – o crédito da «Edição Mediciana», cujo privilégio havia sido renovado ao editor Pustet, de Ratisbonne, em 1873 (Chanoîne Coudray).
Em 1890, Dom Mocquereau funda o atelier de Paleografia Musical, no qual Dom Joseph Gajard se tornou o seu principal colaborador.
Em 1903, S. Pio X confia a uma comissão especial, em Roma, a redação de uma edição oficial, baseada nos trabalhos de Solesmes: essa edição – chamada «Vaticana», por ter saído da Imprensa do Vaticano – apareceu em 1907, com o «Graduale» e, em 1912, com o «Antiphonale».
Um decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, datada de 2-ABR-1911, autorizou Solesmes a empregar, na Edição Vaticana, os sinais rítmicos, cuja autenticidade era indiscutível. É sob essa forma que ela é, geralmente, mais utilizada, embora, em certos meios, prefiram ainda a Edição Vaticana pura, ou seja, sem sinais complementares de espécie alguma.
RESTAURAÇÃO RÍTMICA
Depois dos trabalhos do Cón. Chantier, em 1859, e dos de D. Pothier, Dom Mocquereau publica a importante obra «Le Nombre Musical Grégorien», em dois volumes, nos quais estuda o ritmo da melodia, o ritmo da palavra Latina e, finalmente, o acordo entre a melodia e o texto Latino.
A projeção da Escola de Solesmes e a difusão do método de interpretação tiveram, sobretudo na primeira metade e parte da segunda metade do séc. XX, uma enorme expansão, devido à criação de Escolas, entre as quais são de salientar:
– o «Instituto Pontifício de Musica Sacra», em Roma (1910);
– a «Escola S. Pio X», em Nova Iorque;
– o «Instituto Gregoriano de Paris» (1923): a este último estiveram ligados, em França, a maior parte dos Centros de Estudos Gregorianos de província, que se fundaram desde então.
O Director do Instituto Gregoriano de Paris – Mr. Le Guennant – retomando a tese de Dom Mocquereau, publicou «Précis de rythmique Grégorienne», em fascículos, nos quais mostra a perfeita consonância com as leis que regem a interpretação da Música, sob todas as suas formas.
Dom Gajard, por seu turno, publicou várias monografias, séries de artigos na «Revista Gregoriana» e, em 1951, «La Méthode de Solesmes».
RESTAURAÇÃO MODAL
Enfim, grandes investigações foram feitas, no campo da Modalidade, começadas por D. Hesbert Desroquettes e continuadas por Mr. Henri Potiron, Professor do Instituto Gregoriano de Paris, em íntima ligação com Solesmes, seguidas, mais tarde, por Dom Pièrre Combe, O.S.B., responsável que foi pelo atelier de Paleografia de Solesmes e, atualmente, por Dom Daniel Saulnier, O.S.B., também este, monge de Solesmes.
Espero que os interessados no assunto não desanimem e continuem lendo e estudando estes simples comentários. Caso seja para maior profundidade e divulgação desta obra de arte cristã, eu disponho de material para pesquisa. Na sua maioria em francês. Se por acaso for alguém de Fortaleza fica mais fácil de trocarmos idéias.
Aos amantes do canto gregoriano eu deixo o meu abraço.