EFEITOS DA REFORMA MUSICAL DE S. PIO X "Quero que o meu povo reze através da beleza" (S. Pio X) No cinquentenário da publicação do "Motu Proprio" não faltaram iniciativas, um pouco por todo o mundo católico, lembrando não só a importância do documento, mas também fazendo um balanço dos seus efeitos no domínio artístico e religioso. Quando surge algo de novo na sociedade, há sempre fortes resistências à mudança, sobretudo quando esta atinge privilégios e interesses estabelecidos. A reforma musical de S. Pio X não agradou a gregos e troianos. Nos primeiros anos ela deu origem às mais variadas reações. Charles Bordes, diretor da célebre Schola Cantorum de Paris, descrevia assim a situação em Roma: "os organizadores dos concertos de Igreja lamentavam a supressão destes onde se precipitava uma enorme multidão, sobretudo de estrangeiros. Os donos dos hotéis, por sua vez, temiam por não ter mais a afluência de ingleses e alemães que os alimentavam. Um cônego da basílica de S. Pedro chegou a afirmar que Pio X tinha caído numa armadilha, armada pelos protestantes, a fim de criar o vazio nas Igrejas. No mesmo artigo refere ainda: "o povo desabituou-se de toda a participação na Liturgia e a introdução na Igreja, de solistas, orquestra, coros separados, fez esquecer ao clero, o Canto Gregoriano. Criou-se o costume de chamar artistas que transformavam os cantos religiosos numa espécie de execução teatral. Quer em Roma, quer em Paris, muita gente vai à Igreja como se fosse ao teatro." (Jornal Figaro de 25/Abril de 1904 - n. trad.) Numa audiência concedida ao mesmo Charles Bordes, o Papa Pio X confessava a este músico: "Sei as dificuldades que esta reforma vai encontrar. Não é de um dia para o outro que se acaba com a música de dança e ópera e se trazem, de novo, os músicos cristãos para a Igreja para estudarem a arte gregoriana e a polifonia do século XVI e se restitui ao canto litúrgico a sua pureza primitiva." "É preciso combater as más tradições que são inveteradas e lutar contra a rotina do gosto público." "Sou um amante da música. Amo Bach, os grandes sinfonistas e as grandes óperas. Mas desejo que a ópera fique no teatro. O lugar destas músicas não é a Igreja." E Pio X conta a Charles Bordes este episódio anedótico: "Lembro-me que um dia, ao celebrar a Missa, no momento da consagração ouvi uma voz que cantava: Mira, o Norma, ai tuoi ginocchi..! " Apesar das resistências e grandes dificuldades, a reforma musical de S. Pio X teve efeitos positivos um pouco por todo o mundo católico. Em 1910, sob a iniciativa do próprio Papa, foi criado o Instituto Pontíficio de Música Sacra que passou a ser a escola modelo para a formação artística e litúrgica dos sacerdotes católicos mais dotados musicalmente, oriundos de todos os continentes. A ação levada a cabo pelos monges beneditinos da Abadia de Solesmes, na França, na restauração das melodias gregorianas, teve repercussões em todo o mundo católico. Foi, de fato a França, a pioneira de todo o movimento de renovação do canto litúrgico. Numa carta a Musique & Liturgie, o cardeal Maurice Feltin, arcebispo de Paris, dizia que "para durar, a vida necessita de liberdade, iniciativa e movimento. A fidelidade à tradição só é bem servida pelo cordial acolhimento das novas necessidades, suscitando novas formas de arte e de oração," nova et vetera". A propósito do "Motu Proprio", o cardeal Feltin afirma que "se este pode ser considerado como um dos elementos originais da renovação paroquial, é porque para o Papa Pio X se tratava não somente da beleza do culto, mas essencialmente, da participação dos fiéis nesta beleza." E escreve ainda: "Seria um engano vermos no "Motu Proprio" apenas a intervenção da autoridade numa querela de artistas. Nele há muito mais pois contém o germe que vemos desabrochar em tudo o que se fez desde então para melhorar a participação dos fiéis na Liturgia e torná-la mais sincera em espírito e em verdade". E a sua carta termina com um apelo aos músicos da Igreja para que tenham plena consciência do papel que lhes compete no seio da assembléia cristã. A sua vocação de educadores deve juntar-se à missão da Igreja que é ensinar à Humanidade o canto da esperança e da alegria cristãs. Na verdade, e em boa hora, juntaram-se à missão da Igreja para a renovação da sua Música, iniciativas de altíssimo valor. Em 1923 nascia o Instituto Gregoriano de Paris. Em 1926 foram criadas classes de Canto Gregoriano em vários Conservatórios de Música europeus, nomeadamente em Genebra e Budapeste. Pouco depois eram fundados o Instituto Pio X de Nova Yorque e o Instituto Pio X no Rio de Janeiro. Em 1940 nasceu a Escola Saint Grégoire de Le Mans, hoje elevada à categoria de Academia Internacional de Música Sacra, sob o patrocínio da Santa Sé. Floresceram Scholae Cantorum um pouco por toda a parte, como resposta aos apelos do Papa. Os efeitos da reforma musical de S. Pio X não se fizeram sentir apenas no renascimento do Canto Gregoriano em Escolas, Seminários, Conventos. O regresso à boa tradição da Polifonia Renascentista, um dos objetivos da sua reforma, começou em Roma com a criação da Sociedade Polifônica fundada por Rafael Casimiri. Este músico percorreu a Itália e muitos países estrangeiros divulgando a Polifonia. O mesmo sucedeu com Lorenzo Perosi - músico amigo de Pio X que este muito admirava. O coro da Capela Sistina foi completamente restaurado e teve também grande importância na divulgação do Canto Gregoriano e da Polifonia. Relativamente ao Órgão - eleito o instrumento - Rei da Igreja pelo seu rico significado simbólico que lhe fora atribuído desde a Idade Média e Barroco (símbolo de toda a criação do Universo) e pelas suas características musicais de grande riqueza tímbrica e solenidade, vários foram os compositores que enriqueceram o universo da Música Sacra com as suas obras, nomeadamente, Tebaldini e Oreste Ravanello na Itália, César Franck, Vincent D'Indy, Charles Bordes, na França, e os alemães da escola de Ratisbona como Proske, Witt, Haller e tantos outros. Passaram mais de cem anos depois da publicação do "Motu Proprio". As inovações introduzidas, desde então, através dos vários documentos pontifícios, com especial realce para a Instrução "Musicam Sacram" aprovada por Paulo VI no Concílio do Vaticano II, abriram as portas para novas formas de arte e de oração, no sentido de uma participação mais ativa dos fiéis na Liturgia. O canto popular religioso foi respeitado e introduzido na Igreja, de acordo com a cultura e costumes de cada povo. Foram também introduzidas as línguas vernáculas, não como regra, mas como exceção, na celebração da Missa, Ofício Divino e outras cerimônias litúrgicas. Porém, o que aconteceu ao Canto Gregoriano - o modelo supremo da Música Sacra , como o considerou Pio X, e o único que possui as qualidades de "santidade, bondade de formas e universalidade", sendo por esta razão a fonte de inspiração para novas melodias sacras vocais e instrumentais? Toda a legislação da Igreja sobre Música Sacra continua a dar-lhe a primazia como o canto próprio da Liturgia romana, porque é o fruto de experiências seculares no domínio da expressão musical religiosa e a quinta essência de toda a Música. Foi o fato religioso sobrenatural que estabeleceu a sua estrutura melódica e rítmica. Por isso, compreendemos melhor a afirmação solene de Pio X e seus sucessores de que uma música é tanto mais sagrada quanto mais se aproxima do Canto Gregoriano. Pois este canto que é todo paz, ordem, harmonia e luz (quando bem cantado)apesar da sua excelência, deixou, praticamente, de ter lugar na Igreja de hoje. Onde estão as edições simplificadas constantemente aconselhadas pelos vários Pontífices para o povo poder cantar as peças mais simples do Comum da Missa, bem como antífonas e hinos das várias épocas litúrgicas? Em relação à Polifonia, onde estão os milhares de motetos escritos por compositores de gênio que a Igreja teve sempre a preocupação de apoiar e chamar para junto de si? E o que aconteceu ao latim que a legislação da Igreja continua a considerar como a sua língua oficial? Foi pura e simplesmente banido e já não se estuda nos Seminários com a mesma profundidade. Há um novo "Ordo Missae". Quem o conhece? Chegou-se ao absurdo de o confundir com o rito de S. Pio V. E as Scholae Cantorum, técnica, artística e liturgicamente preparadas para cantarem as partes do Próprio da Missa e a Polifonia, pelo menos, nas catedrais e basílicas? Quanto à música que se canta hoje nas igrejas, um pouco por toda a parte, seria ridículo, chamar-lhe música sacra. Salvo raras exceções, que se podem contar pelos dedos, atingiu-se um tal grau de vulgaridade e insensibilidade musicais que serão necessários muitos anos para mudar este estado de coisas, se é que ainda é possível mudar. No interessante artigo " Incursões profanas no espaço sagrado da Liturgia Católica", o organista Prof. Joel Canhão põe o dedo na ferida e faz uma séria análise sobre esta temática Apesar dos esforços que têm sido feitos para melhorar a Música Litúrgica, quer popular, quer erudita, a verdade é que estamos mergulhados numa nova decadência que é, sem dúvida, fruto da profunda crise de valores morais e espirituais que assola o mundo e para a qual contribuíram as filosofias materialistas do século XX. A Igreja não foi ainda capaz de as combater eficazmente porque não está unida. Os cristãos continuam desunidos e a sua desunião, como dizia Soloviev, é a dissolução espiritual do mundo. Só a união pode trazer a paz que é uma necessidade inata do homem. O Canto Gregoriano é o maior tesouro espiritual da Igreja com a força suficiente para unir os cristãos. S. Pio X, na sua imensa sabedoria e santidade, sabia o que era o bem da Igreja: "renovar todas as coisas em Cristo" que é a LUZ e o AMOR universais. A Humanidade do século XXI, neste mundo tão conturbado e dividido, necessita, mais do que nunca, da LUZ e do AMOR que Cristo irradia.
terça-feira, 9 de outubro de 2007
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